sexta-feira, 27 de novembro de 2009

10.01 - OS MEUS AMIGOS * José Augusto Carvalho

                                         POR QUE DAR BAIXA E DAR ALTA?

José Augusto Carvalho


Por que se diz dar baixa, quando se sai do Exército, e ter alta, quando se sai do hospital?
Baixa e baixar sempre foram expressões designativas de exteriorização, de expedição, de movimento para fora ou para baixo, de diminuição. Por isso, baixar um decreto é expedi-lo; baixar os autos ao tribunal é retirá-los de onde estavam e devolvê-los ao juízo inferior, de origem. Dar baixa, portanto, é sair, como na expressão militar. Mas por que dar baixa em hospital tem o sentido oposto, de entrar?
Em alta, há a convergência de dois nomes de origem distinta: um é a forma latina alta-, do adjetivo de primeira classe altus, -a, -um; o outro é a interjeição alemã Halt!, do verbo halten, que significa parar.
A rigor, os dicionários deveriam dar três entradas para alto e duas para alta: há o alto!, comando militar que significa pare!, oriundo do alemão Halt!; há o alto, adjetivo, como em homem alto, de origem latina, e há alto, adjetivo ou substantivo, oriundo do italiano, de uso na música, para designar o som agudo da voz masculina ou o som grave da voz feminina. Alta, feminino substantivado de alto, seria a primeira entrada no dicionário, designando dança, parte do palco, no teatro, ou a alta sociedade; a segunda entrada deveria consignar todos os sentidos de origem militar do substantivo alta: ordem ou nota para sair do hospital; ato de voltar ao serviço militar depois de um período de licença ou de doença; parada de uma força que estava em marcha. Nesse sentido, o Grande e novíssimo dicionário de língua portuguesa, de Laudelino Freire, está corretíssimo. O Aurélio e o dicionário dos seus herdeiros, no entanto, registram duas vezes o verbete alta, ambas como adjetivo substantivado. Trata-se, portanto, da mesma palavra, o que não justifica as duas entradas no dicionário. Em contrapartida, o Aurélio e o dicionário dos seus herdeiros registram adequadamente alto em três verbetes, segundo as origens latina, italiana e alemã. O dicionário de Caldas Aulete registra alta em dois verbetes, mas inclui no primeiro significados de origem militar que são do segundo, e erra no étimo alemão, grafado alte (que significa “velha”) e não Halt (que significa “pare”). No verbete Alto! (o terceiro, sem numeração), o étimo alemão está corretamente grafado.
Assim, ter alta num hospital tem origem militar. Vem do alemão halten, que significa parar. O médico declara a cessação da doença. Portanto, permite que o paciente saia. Já dar baixa tem o sentido vernáculo, normal, de exteriorização.
A expressão dar baixa no hospital, com o sentido de entrar, opondo-se a dar baixa no Exército, com o sentido de sair, formou-se posteriormente na língua por analogia com alta (de halten), na ignorância do significado original, por confusão com a forma vernácula, de origem latina.

Em resumo: baixa, de origem latina, formou a expressão dar baixa, com o sentido de sair; baixa, de formação vernácula posterior, a partir da forma alta, de origem alemã, formou equivocadamente a expressão dar baixa, com o sentido de entrar (não registrado no Aurélio nem no dicionário dos seus herdeiros, mas presente nos dicionários de Laudelino Freire e Caldas Aulete.
São caprichos do falante, que acabam por refletir-se na língua, fazendo dela um samba do crioulo doido.
A moral dessa história toda é que nossos dicionários de língua estão a quilômetros de distância do rigor científico de um Littré, por exemplo. Falta-lhes a data de inclusão do item lexical na língua; falta-lhes a data da primeira atestação, pelo menos; falta-lhes, em síntese, uma orientação eficaz, adequada e científica para o consulente, no mínimo para que ele possa entender os pretensos paradoxos ou as pretensas incoerências da sua língua.
Assim, por exemplo, os dicionários deveriam ter outra entrada para baixa, além da que já neles existe, dando conta do neologismo baixa, formado a partir da palavra alta, de origem alemã, e em oposição a ela.
O melhor dicionário brasileiro feito criteriosamente, dentro dos princípios científicos da lexicografia, com data de inserção no léxico e atestação documentada é o Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem tupi, de Antônio Geraldo da Cunha (São Paulo: Melhoramentos, 1978). Infelizmente, seu universo, como o próprio título indica, é restrito.
Pena que A. G. Cunha tenha falecido, em 1999, antes de ter feito um dicionário da língua portuguesa. Seria, sem dúvida, o melhor de todos.

José Augusto Carvalho
Cidade de Vitória, Estado do Espírito Santo, Brasil
Migrando para este novo espaço.

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