sábado, 20 de junho de 2015

10.01 - OS MEUS AMIGOS * José Augusto Carvalho



O Deus dos ateus


Professor Doutor José Augusto Carvalho



José Augusto Carvalho


O pouso forçado do avião em que viajavam os apresentadores Huck, Angélica, filhos, babás, o piloto e o copiloto foi bem-sucedido graças à perícia do piloto Osmar Frattini. A apresentadora disse que todos sobreviveram por milagre, mas não vi na reportagem de A Gazeta (do dia 16-05, p. 8-9) nenhuma alusão à pretensa ajuda de Deus, mesmo porque Deus teria sido de melhor ajuda, se o acidente não tivesse ocorrido. Milagre, se houve, foi do piloto. O fato de ninguém ter mencionado Deus fez-me pensar.

Acho que foi Dostoievsky, talvez em Crime e Castigo, quem disse que, se Deus não existisse, tudo seria permitido. Parece que a ideia é a de que sempre haverá alguém a quem devemos prestar contas de nossos atos. A contrapartida é mais lógica. Não acreditar em Deus significa acreditar em si mesmo, tomar suas próprias decisões, pagar pelas escolhas indevidas, crer no livre arbítrio. Afinal, se, por definição, Deus é bondade, então tudo será perdoado. Além disso, por Sua onisciência, Deus vê tudo, prevê tudo e sabe tudo. Portanto Ele sabe previamente se vamos pelo caminho do bem ou da perdição. Se Deus existe, nosso destino já está traçado e nada podemos fazer para modificá-lo.

Se a pessoa que crê em Deus faz uma promessa para a obtenção de uma graça, Deus, por antecipação, já sabe se ela vai ou não cumpri-la. Se a promessa não for cumprida é porque já estava escrito que ela não seria cumprida. Se Deus existe, quem não cumpre uma promessa não tem culpa de nada. A mentira, o assassinato, o roubo, todas as más ações já estão previamente traçadas pelos desígnios de Deus. Ao contrário do que disse Dostoievski, se Deus existe, tudo é permitido.

Um deísta ou teísta poderá dizer que Deus sabe qual será nosso próximo passo, mas, como não sabemos, temos de agir como se nada estivesse previsto, o que não evita o resultado final, porque, seja qual for nossa intenção, o destino já está traçado.

Cristo previu que Pedro o enganaria três vezes e estava também previsto que Judas O trairia. Pedro, por mais que quisesse, não poderia furtar-se à praga que Jesus lhe lançou. Nem Judas poderia, ainda que fosse puro de coração, evitar trair o Messias. Dessa traição nasceu uma nova religião, uma nova Igreja. Pedro e Judas foram vítimas de um destino cruel que lhes estava reservado à revelia. Em outras palavras: Jesus veio ao mundo para ser traído, para ser crucificado. Judas foi uma vítima do seu destino previamente traçado. Não tem culpa de nada. Se Deus não existe, então o Homem é que traça seu próprio destino. O ateu, na verdade, é Deus de si mesmo.


(Publicado no dia 29-05-15, em A GAZETA, 1º caderno, p. 17)