quinta-feira, 30 de outubro de 2014

36 - TEMPO DE SORTILÉGIO * Nostalgia de Abril








Mais um Inverno frio nos deixava…

Mais uma Primavera prometia…

E sempre uma esperança pontilhava

de estrelas este céu que se fechava

ao rútilo esplendor dum claro dia!



E sempre esta esperança que morria

em cada frustração que nos matava!

E sempre o desespero arremetia

na força renovada que nos dava

a Fénix que das cinzas renascia!



Ai, tanto se morria e renascia!

E sempre esta esperança acalentava.

Que fértil terra de húmus e porfia

a força dava à força que faltava

nas horas em que a vida mais doía?



De sangue e desespero se amassava

o pão que noite adentro se comia!

De sol a sol, o corpo tudo dava

a troco duma jorna que minguava

enquanto o desespero mais crescia.



Ah, mas, na sombra, a noite murmurava

enleios, numa terna melodia!

E antes de adormecer, já madrugava

nos versos da canção que prometia

livre e fraterna a terra que chegava!



Chegava a Liberdade que cantava

lusíada, em feliz polifonia,

o fim do pesadelo que matava

no dia todo em luz que despertava

a vida que chorava de alegria!



O pátrio povo em armas devolvia

o berço que das trevas libertava

ao povo que sem armas acudia.

E um povo todo irmão se estremecia

no imenso e terno abraço que se dava.



Navegar é preciso, prometia,

agora que o viver se precisava!

Nos braços embalada, a pátria ouvia!

E quanto mais ouvia mais se dava

ao sonho que se ousava e florescia.





José-Augusto de Carvalho
27 de Outubro de 2014.
Viana*Évora*Portugal

domingo, 12 de outubro de 2014

14 - ESCAPARATE * «Pátria Transtagana»



Ontem, 11 de Outubro de 2014, no Salão Nobre da Junta de Freguesia de Aguiar, município de Viana do Alentejo, ocorreu o lançamento do livro «Pátria Transtagana», do qual sou autor, com prefácio do Coronel João Andrade da Silva e posfácio da Professora Maria do Céu Pires, Doutora em Filosofia pela Universidade de Évora.


Na mesa, da nossa esquerda para a direita: Rosa Barros, minha amiga e Professora de Filosofia do Ensino Secundário; Professora Doutora Maria do Céu Pires; Presidente da Junta de Freguesia de Aguiar; Coronel Andrade da Silva; e eu, José-Augusto de Carvalho.

Seguidamente, divulgo o texto da minha intervenção:


Boa tarde, Vila de Aguiar!

Boa tarde a todas as pessoas que puderam e quiseram vir assistir ao lançamento do livro «Pátria Transtagana»!

1.

Talvez eu esteja violando normas ao ser o primeiro a usar da palavra.

Evidentemente que muitas normas terão, como todos os ovos, o destino último de ser quebrados. Será este o caso? Quisera que sim.

Não é por inconsideração que me imponho na abertura desta sessão de lançamento do livro «Pátria Transtagana», mas sim porque é indispensável situar-me e situar este encontro.

Aguiar não é apenas uma das muitas localidades da Pátria Transtagana. É uma povoação que conheço desde menino. Aqui vinha com meu pai, num carro de varais, puxado por um possante muar. Mas esta razão que aduzo não poderia ser determinante para a minha preferência.

Determinante foi o convite que recebi, há meses, do Executivo da Junta de Freguesia de Aguiar para vir ler, neste mesmo salão, alguns textos dos muitos que ando escrevendo desde quase o amanhecer da minha existência de escriba impenitente, já lá vão quase setenta anos.

Portanto, Aguiar soube de mim como autor e honrou-me com um convite. Convite que aceitei agradecido.

Ora porque «Pátria Transtagana» reclamava o seu lançamento no Alentejo, como poderia eu, agora, ignorá-la ou preteri-la?

Como poderia eu não vir felicitá-la nesta data e associar à sua festa o lançamento deste meu livro?

Festa em que a vila de Aguiar comemora mais um aniversário da sua condição de Freguesia de Abril.

Eu sei que, por solicitações familiares e afectivas, outras povoações do nosso pátrio Alentejo poderiam reclamar-me o lançamento deste livro: Viana, onde eu nasci e onde nasceram muitos dos meus antepassados de apelido Carvalho; Serpa, onde nasceu minha mãe; Alcácer do Sal, onde nasceu minha avó materna Rosa de Jesus; Alvito, onde nasceram meus bisavós José António e Catarina das Dores; de novo Alvito, onde nasceu também minha bisavó Margarida.

Com excepção de meu avô materno, que desceu da transmontana Chaves buscando a sua moira encantada de sempre, a minha avó Rosa, toda a minha memória é transtagana.

2.

Quanto a mim, que poderei eu dizer?

Não tenho títulos nem cargos públicos ou privados e nem honrarias a recomendar-me.

A recomendar-me tenho apenas a minha condição de alentejano.

Também terei a recomendar-me um trajecto cívico de amor e respeito, de exaltação e defesa da Pátria Transtagana e das suas gentes, das minhas gentes.

Como vêem, nada de relevante há a dizer de mim, porque amar a nossa terra e a nossa gente é um apelo do mais recôndito de nós e não um dever ou uma qualidade racionalmente considerada.

3.

E no nosso caso de alentejanos, mais se imporá a nossa terra e a nossa gente, porque desde os recuados tempos do alvor da nacionalidade portuguesa que é a nossa, a Terra Transtagana e as suas gentes foram maltratadas, menorizadas, desprezadas, mortas ou expulsas.

Aquando da Reconquista, apeado o poder muçulmano, ninguém aqui mereceu a confiança dos reconquistadores. Ninguém!

Nada tenho contra outras gentes que queiram viver connosco nesta nossa terra e decidam ou não integrar-se no todo das nossas gentes; mas tenho tudo quando nos recusam o legítimo direito de mandarmos na nossa casa.

Urge a regionalização, única possibilidade de legitimamente, e sempre no quadro constitucional da Pátria Portuguesa, aspirarmos ao direito de escolher a nossa vida e o nosso destino.

Verdade é também que as gentes transtaganas não estão isentas de responsabilidade:

-- no passado, quando, algumas vezes tiveram voz e poder para tentarem impor-se, cederam a valores e interesses que lesaram os seus;

-- e no presente, quando, tendo voz e poder relativo para se impor, escolheram a resignação ou mal escolheram quem os represente na superior condução do seu destino colectivo.

Longe estive do nosso Alentejo; agora no nosso Alentejo estou, definitivamente, assim espero. Nunca procurei os favores dos poderes públicos e privados. Nunca os procurei e nunca os tive. E nunca os terei. E não é por teimosia, mas por opção.

E quanto a direitos, apenas tenho os direitos que a Lei Constitucional me confere.

4.

Sabem muito bem os mais velhos, como eu, o que foi viver, malviver, digo eu, sob o Estado Novo de Salazar e Marcelo Caetano.

Sabem os mais velhos, como eu, o que foi descobrir a Liberdade quando o Movimento dos Capitães nos devolveu a dignidade e a esperança numa Madrugada de Abril aureolada de cravos e de aromas de fraternidade e de paz.

Sabem os mais velhos, como eu, as dificuldades que logo surgiram, criadas pela resistência tenaz dos poderosos a quem não servia nem serve um povo adulto e livre.

Sabemos que esta terra e suas gentes lutaram desde a consolidação da independência de Portugal.

Estivemos sempre do lado certo da História e pagámos sempre o preço que nos foi exigido em bens, em sacrifícios, em sangue derramado.

No presente, resiste connosco a memória viva da Revolução dos Cravos e a vontade de transformarmos em realidade a sua promessa de finalmente haver e perdurar Abril em Portugal.

Aqui está, entre nós, um Capitão de Abril, um dos homens do Movimento das Forças Armadas que devolveu a todos nós a dignidade de mulheres e homens livres.

Um Capitão de Abril que conheceu palmo a palmo as terras transtaganas e as suas gentes.

Um capitão de Abril que nos ama e tudo arriscou por nós.

Um Capitão de Abril que está, também, nas páginas do livro que lançamos hoje.

Devemos-lhe tamanha distinção.

Bem-haja, Coronel Andrade da Silva!

E este bem-haja é extensivo aos seus camaradas de armas que nos ajudaram a entrever a esperança.

Com um segundo bem-haja relevo a Professora Maria do Céu Pires, Doutora em Filosofia, e gente da nossa gente, por ter aceitado ligar o seu nome e o seu amor ao Alentejo a este livro em lançamento.

E o meu terceiro bem-haja releva a querida Amiga Rosa Barros, professora de Filosofia do Ensino Secundário, uma filha dilecta dos Açores e já também alentejana do coração. Querida Amiga que empenhadamente me tem acompanhado neste meu percurso acidentado desde o meu regresso definitivo ao Alentejo.

5.

Na hora da gratidão, saúdo o Executivo da Junta de Freguesia de Aguiar pelo acolhimento e ao qual reitero a minha disponibilidade para colaborar em sessões culturais e cívicas, sempre que considerar oportuno e desde que para tanto eu esteja em condições de corresponder.

Nesta mesma hora da gratidão, saúdo também a gente da minha gente que está aqui e os familiares e Amigos naturais de outras regiões da Pátria Portuguesa que quiseram e puderam associar-se a este lançamento.

Finalmente, uma palavra de profundo pesar e de imperecível saudade para aqueles que partiram desta vida e exclusivamente por esse motivo não estão aqui também amparando o objectivo único deste livro: dignificar o Alentejo e por ele toda a Pátria Portuguesa.

Até sempre!