segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

30 - NA ESTRADA DE DAMASCO * Poema para Maria de Magdala



(Última Ceia, de Leonardo da Vinci)



Que manto de silêncio assim te esconde,
perdida sob névoa e banimento?
Já nem o eco à minha voz responde!
Até te silencia a voz do vento!



A boa nova, espanto e maravilha,
aos outros que ficaram, tu levaste.
Eleita, confirmaste, na partilha,
a força da raiz na frágil haste.



O turbilhão dos tempos te tragou.
Das trevas sem registo e sem memória,
a lenda que o sem tempo deslumbrou
no todo o sempre escreve a tua história.

Na tela onde o pintor te quis dilecta,
eu vivo a minha angústia de poeta.




José-Augusto de Carvalho
26 de Dezembro de 2011.
Viana*Évora*Portugal

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

31 - NOTAS DE VIAGEM * 4- A mão esquerda de Camões...





















NOTAS DE VIAGEM - 4



A mão esquerda de Camões é que me guia.
Poeta e vagamundo,
icei-me ao cesto da gávea.
Além de tanto mar, de tanto céu,
tentei enxergar morenas terras de Espanha
areias de Portugal.
Parti na busca ousada de mim.
Abri estradas molhadas de lágrimas
e vestidas de saudade e de escorbuto.
Entrevi, no manso marulhar, apenas a sedução
da sereia desnudada na brancura de noivar
de mantos de espuma e mito.
Perdido de mim na descoberta do mundo,
já não há morenas terras de Espanha
areias de Portugal.
Além de tanto mar, de tanto céu, só esta lenda de mim...


José-Augusto de Carvalho
Viana*Évora*Portugal

***

NOTAS DE VIAJE - 4

La mano izquierda de Camoens es mi guía.
Poeta y vagabundo,
me icé al cesto de la gavia.
Más allá de tanto mar, de tanto cielo,
intenté divisar morenas tierras de España
arenas de Portugal.
Partí en busca osada de mí.
Abrí rutas mojadas de lágrimas
y vestidas de nostalgia y de escorbuto.
Entreví, en el manso oleaje, apenas la seducción
de la sirena desnuda en la blancura del noviazgo
de mantos de espuma y mito.
Perdido de mí en el descubrimiento del mundo,
ya no hay morenas tierras de España
arenas de Portugal.
Más allá de tanto mar, de tanto cielo, sólo esta leyenda de mí...

(Traducción: Antonio Alfeca)

António Alfeca é um poeta andaluz , a quem devo a honra de me ter traduzido.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

11 - TUPHY, SEMPRE! * Esplendor



Oásis de esperança na paisagem.
Percurso desnudado e peregrino.
Cansaços de passado que domino.
Cantados esplendores de miragem.



Esbatem-se no longe purpurino
auroras imprecisas --- a mensagem
vestida de Levante, na roupagem,
e nua na Verdade do destino.



Carrego no meu peito as oferendas,
num cofre de cetim e rendas raras,
espólio de aventuras e contendas.



Desperta, no clarão das almenaras,
a noite em sortilégio acorda as lendas,
reféns da treva em suas mãos avaras.





José-Augusto de Carvalho
2004
Viana*Évora*Portugal

sábado, 3 de dezembro de 2011

09 - IN MEMORIAM * España / Espanha

Miliciano - Guerra Civil de Espanha (1936/39)


España!

No hagas caso de lamentos
ni de falsas emociones;
las mejores devociones
son los grandes pensamientos.
Y, puesto que, por momentos,
el mal que te hirió se agrava,
resurge, indómita y brava,
y antes de hundirte cobarde
estalla en pedazos y arde,
primero muerta que esclava.


***
Espanha!



Não te importem os lamentos
nem as falsas emoções!
As melhores devoções
são os grandes pensamentos.
E se, mesmo por momentos,
o mal que te dói se agrava,
ressurge indómita e brava!
Em vez de um render cobarde,
estala em pedaços e arde,
que antes morta do que escrava.

*

Nota:
Poema atribuído a Federico García Lorca. Foi por mim traduzido em 1969 e publicado, na mesma altura, na República das Letras e das Artes, suplemento semanal do jornal diário República. Este suplemento era dirigido pelo Poeta Alfredo Guisado, que fora amigo de Fernando Pessoa e seu companheiro na aventura do Orpheu, em 1915.


 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

26 - NOSTAGIA * Bem-vinda, Maria Goreti Dias



Contigo trazes vinho verde e broa,
o gosto de além-Douro num abraço.
Bem-vinda a CantOrfeu! E livre voa
nas asas da tontura deste espaço.

De Eurídice e de Orfeu queremos ser,
no templo da palavra, o sonho e a prece
que brotam num constante renascer
no dia sempre novo que amanhece.

Aqui, neste fascínio de magia,
queremos iguarias na beleza
vestida de verdade, na ambrosia

que, assim, nos embriague na certeza
de Eurídice e de Orfeu, de a Poesia
servida, em sacrifício, à nossa mesa.


Com carinho,
Grupo CantOrfeu

José-Augusto de Carvalho
29 de Dezembro de 2006
Viana * Évora * Portugal

O CantOrfeu pretende ser um espaço onde coexistam todas as manifestações de arte. Cada um dos seus membros será uma parte indissociável do todo, com iguais direitos e deveres quanto ao seu objectivo.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

32 - DO MAR E DE NÓS - II * O velho lenho



Do vento que enfunou as níveas velas

das velhas caravelas de quinhentos,

só resta o Fado, triste, nas vielas,

vestido de saudade e de lamentos.



Poetas loucos há, de Norte a Sul,

buscando, no sabor da maresia,

com Sá-Carneiro, um pouco mais de azul,

no céu da decadência amarga e fria.



Na minha voz ecoam outras vozes,

as vozes que eu herdei e que mantenho,

perenes de manhãs de apoteoses.



Memória do que foi o velho lenho,

nas asas haverá dos albatrozes

ou vivo no palor de algum desenho...



 
José-Augusto de Carvalho
13 de Janeiro de 2007
Viana do Alentejo * Évora / Portugal

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

05 - ESTA LIRA DE MIM!... * Percurso

Maio maduro - Foto Internet - autor desconhecido




Da colheita de Maio Maduro,

Quanto baste de alento e de alvura.

Mitigar minha sede procuro

Na cisterna de chuva água pura.



Na farinha e na chuva que amasso,

Minha fome modela o sustento.

É da Terra e do Céu este abraço

Onde crio o que sou no que faço.



Tudo em mim é a soma do todo,

Que é de pó e que é de água – este lodo,

Num pedaço de céu que me acena…



E assim vou, perseguindo este rastro

Que lucila a saudade de um astro,

Nesta cósmica angústia terrena…



José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 13 de Dezembro de 2010.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

06 - O LIVRO DAS REFLEXÕES DE GABRIEL DE FOCHEM * II Reflexão



Caminho, decidido, enquanto o tempo der,
na passada medida

de quem sabe, à partida,

que terá de chegar até onde puder.
 
Desafio a borrasca.

Inclemente me alaga a chuva que derrama.

E este frio que enregela, a doer! E esta lama

que, pastosa, me atasca!
 
Mas decidido vou, enquanto o tempo der

e até onde puder!

 

José-Augusto de Carvalho

Setembro de 2001.

Setembro de 2010

Viana*Évora*Portugal

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

25 - ADIL * Adil na memória

Adil, do árabe atíl, terreno inculto.

Da antiga Viana de Fochem, depois, absurdamente, a-par-de-Alvito, e, agora, redundantemente, do Alentejo, retomamos a divulgação deste espaço, que terá a assiduidade possível.
Daqui, donde se diz que o seu povo é de muitos mouros, alguns judeus e o resto sabe-o Deus.
Adil, terreno inculto. Tal qual, porque quem pode não quer e quem quer não pode.
Terra de senhores de abastança e que já foi de pão amassado com lágrimas de desespero.
Terra que viu craveiros a florir, em Abril; e a secar, em Novembro.
Terra que espera.
José-Augusto de Carvalho

25 - ADIL * Adil


Quando descobri a importância relativa dos blogues enquanto espaço de livre e responsável afirmação de quanto pretendemos comunicar, criei o blogue ADIL. Hoje, ponderando o intento, concluí pela impossibilidade da sua existência autónoma. Decido, por isso, transformá-lo em uma das partes constitutivas deste outro espaço.

Subordinado a esta etiqueta --- ADIL, começarei por transcrever o pouco já anteriormente publicado.
Assim me definia, então, enquanto alentejano no meu pátrio Alentejo. Assim continuarei...

Dórdio Gomes, Pintor alentejano


Rasgando as estradas,

à luz da evasão,

esmago no chão

um tempo de nadas.



José-Augusto de Carvalho
Lisboa, Dezembro de 2009

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

07 - CANTARES * Moda do poço



Neste poço há uma nora
de alcatruzes de saudade,
onde ainda o tempo chora
o candor de Xerazade...



A princesa muçulmana
sobrevive enfeitiçada
nestas terras de Viana,
numa nora abandonada...

Numa nora abandonada,
nestas terras de Viana,
sobrevive enfeitiçada
a princesa muçulmana...



É quando o vento suão
até à sombra assa canas,
que dói mais a solidão
nas terras alentejanas.



Versos José-Augusto de Carvalho

Talvez projecto, exactamente por ser uma pretensão lançada assim desamparada, é a tentativa de apresentar textos inéditos que poderão enriquecer (?) o património dos cantares populares do Alentejo. Que valha a intenção.



domingo, 23 de outubro de 2011

07 - CANTARES * A minha história



Já estava no meu posto
quando o dia mal rompia…
E, o patrão, a contragosto,
ao sol-pôr, findava o dia…

Para além de água e de pão,
tive sede e tive fome,
que também se bebe e come
quer Justiça, quer Razão…

De Justiça e de Razão,
que também se bebe e come,
tive sede e tive fome
que não só de água e de pão…

Engelhado de cansaço,
hoje, sou esta memória…
Se na vida apenas passo,
que não passe a minha história…


Versos de José-Augusto de Carvalho

Talvez projecto, exactamente por ser uma pretensão lançada assim desamparada, é a tentativa de apresentar textos inéditos que poderão enriquecer (?) o património dos cantares populares do Alentejo. Que valha a intenção.



07 - CANTARES * Horas de solidão



Na torre batem as horas.
Nem viv'alma pelas ruas.
Amor, por que te demoras
e esta saudade acentuas?

No meu peito, dói a espera.
Um nó me aperta a garganta.
Não pode haver primavera
se o passarinho não canta.

Se o passarinho não canta,
não pode haver primavera.
Um nó me aperta a garganta.
No meu peito, dói a espera.




Nos campos não há trigais...
E sem trigo não há pão!
Meu amor, não tardes mais,
que morro de solidão!


 

Música de Maria Luísa Serpa

Versos de José-Augusto de Carvalho


quarta-feira, 19 de outubro de 2011

05 - ESTA LIRA DE MIM!... * As sombras sortílegas


No caminho, assentou a canseira.
Nem vestígios das tuas pegadas.
Solitárias, as velhas estradas
sob um manto de sol e poeira.

Do que foste ou não foste, não mais
a memória guardou o registo.
Neste Mundo de Cristo sem Cristo,
são de inércia e renúncia os sinais.

Sob a noite, as estradas paradas,
rememoram silêncios em guarda
e sortílegas sombras vadias...

São as horas, no tempo cansadas,
a velar a promessa que tarda
duma aurora que nunca verias...


José-Augusto de Carvalho
16 de Outubro de 2011.
Viana*Évora*Portugal

03 - CAIXA POSTAL * 6ª. carta

Exmos. Leitores:

Desde há vários anos, escolhi o título «O Alentejo não tem sombra!...»  para um conjunto de textos a que chamei cantares. Recentemente fui surpreendido com a informação de que este título já foi utilizado. Perante a situação, a colectânea já preparada terá este outro título: Harpejos de Alma (Cantares).

Os meus cumprimentos.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

11 - TUPHY, SEMPRE! * Esplendor



Oásis de esperança na paisagem.
Percurso desnudado e peregrino.
Cansaços de passado que domino.
Cantados esplendores de miragem.

Esbatem-se no longe purpurino
auroras imprecisas --- a mensagem
vestida de Levante, na roupagem,
e nua na Verdade do destino.

Carrego no meu peito as oferendas,
num cofre de cetim e rendas raras,
espólio de aventuras e contendas.

Desperta, no clarão das almenaras,
a noite em sortilégio acorda as lendas,
reféns da treva em suas mãos avaras.



27 de Setembro de 2004.
Viana*Évora*Portugal

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

11 - TUPHY, SEMPRE! * Imobilidade



Os fastos e as misérias
assombram a falésia
com sonhos descarnados.

A branda maresia acaricia
o desencanto imóvel.

No tempo das desoras,
doendo a nostalgia
na angústia das palavras
à deriva.


 
Tuphy Mass
al Andalus, 1 de Agosto de 2010.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

11 - TUPHY, SEMPRE! * Em lágrimas



Não vou nem fico, pairo sobre as águas
Limosas da lagoa verde-escura…
Com lágrimas, eu lavo as minhas mágoas
Quando me dói de mais a desventura…


Morri quando na barca de Caronte
Partiste para o frio esquecimento.
Agora, qualquer dia que desponte
Não me dará nem luz e nem alento.


Se foi imperecível o sentido
Que deste ao lucilar do setestrelo
Foi porque imperecível te queria…


Caronte te levou. O sem sentido
Ficou imperecível pesadelo
Até que o fim sufoque esta agonia…


Lisboa, 5 de Agosto de 2011

sexta-feira, 22 de julho de 2011

23 - A MINHA ANTOLOGIA DE POESIA POPULAR PORTUGUESA * Pequenina


Era ainda pequenina,
acabada de nascer,
ainda mal abria os olhos,
já chorava por te ver...

Agora que sou velhinha,
já tão prestes a morrer,
olha bem para os meus olhos:
ainda choram por te ver...

(Beira Baixa)

34 - CLAVE DE SUL * Em nome do pai...


Trabalhador rural do Alentejo
Óleo de Dórdio Gomes, pintor alentejano


Em nome do pai,
Em nome da mãe,
Em nome da terra que me viu nascer,
Eu canto os matizes incertos dos dias.
/
Em nome do pai,
Em nome da mãe,
Em nome da terra que me viu nascer,
Recuso o meu canto
Ao nada parido nas noites da insónia.
/
Em nome do pai,
Em nome da mãe,
Em nome da terra que me viu nascer,
Sempre o que não sou
releva o que sou.
/
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 20 de Julho de 2011.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

14 - ESCAPARATE * Compreender, eis a questão!


2005: PAZ NA INTERNET

Compreender, eis a questão!
Lizete Abrahão

    Não importam os meios, os recursos ou os fins; nem mesmo o objetivo mais importante tem algum valor quando o ser humano, nas suas buscas, seja pelo que for e como for, perde o controle sobre seus atos ou palavras.
Já vi e li, aqui na Internet (e em muitos outros lugares, por óbvio), pessoas falando e escrevendo sobre bondade, amizade, paz, amor e outros sentimentos puros, não raro, invocando o nome de deus e outras entidades místicas e, logo adiante, dizendo e escrevendo coisas chulas, numa verborragia virulenta, contagiando uns e outros que, por desaviso, pusilanimidade ou maldade, tomam o mesmo caminho, disseminando, em sua trajetória, a discórdia e o mal-estar. E o mal de todos os males é o fazerem, em nome de uma pretensa defesa de direitos de bens usurpados, tanto materiais quanto intelectuais, quando na verdade, no meu humilde entender, há apenas o aviltamento de valores maiores, a banalização de atos que deixam de ser nobres quando são cometidos.
O grande mal que grassa entre os humanos, na Internet e fora dela, gerando violência, geralmente gratuita, é a incompreensão. Porque será que é tão difícil compreender o outro? Sei que as intenções é que fazem a diferença, e dizem: "Respeitem as diferenças". Mas como é que alguém vai respeitar o que nem se deu ao trabalho de procurar saber? Quem vai respeitar ou mesmo aceitar aquilo que não conhece? E, então, eu pergunto: "Há, por acaso, interesse em as pessoas se conhecerem de fato?". Receio que eu não gostaria da resposta que até se prenuncia...
Se tantos dizem que buscam a Internet, para aprender, adquirir conhecimento, relacionar-se com outras pessoas, etc., por que há essa visão tão curta, entretanto, levando a discussões inócuas tão longas? Sinceramente, custa-me entender certos comportamentos. Aliás, está aí uma coisa que terei de aprender a compreender; nunca a aceitar, porque não aceito violência de espécie alguma.
Hoje em dia, jogam palavras, como punhais; ferem-se uns aos outros. Quando vejo, então, pretensos poetas, usando a palavra, em brigas quase insanas pelo que eles chamam "direitos autorais", chego à conclusão de que a poesia ainda está muito longe daquilo que ela verdadeiramente vale. De que adianta dizer-se poeta se a vaidade permite apenas que se alimentem os egos, que sirva de pasto para egoísmos, ciúme doentio, desavenças, desolando de tal forma o interior humano que nada mais resta, além de fugas alienantes. Onde a sensibilidade? A afetividade? O descobrimento de si e do outro? A conscientização?
Poeta resgata valores, através da poesia, e não a usa para jactar-se. Poeta leva, por ela, os mais nobres sentimentos e não a degradação das relações entre as pessoas. Ser poeta não é tarefa fácil, não é apenas sair fazendo versos; não é importar-se com o peso de outras personalidades e fazer comparações....É ser responsável por si e pelo mundo inteiro; é anunciar-se, a esse mesmo mundo, como mensageiro do BELO, através da linguagem afetiva, por mais feio que esse mundo possa parecer aos outros; é ter o direito de sofrer mais pela ausência de valores humanos do que por não o terem compreendido como poeta. Ser poeta é não fazer uso da palavra para destilar fel, purgar ódio e sentimentos nefastos a ela e aos outros que são "respingados" pelo seu amargor. Poeta destila, sim, mas não seu próprio fel, e, sim o do mundo, ele é o filtro do feio e do ruim e, guiado pelo sentido do BELO, asperge e estabelece, nesse mesmo mundo, a POESIA. Poeta é instrumento e não fim da poesia.
Compreender, sobretudo, que somos diferentes uns dos outros e, antes de tudo, compreender essas diferenças para, se não puder aceitá-las, pelo menos, respeitá-las. Para isso, basta ter a consciência de que há diferenças; saber que elas existem já é um grande avanço, um sinal de inteligência aguçada, mas não querer descobri-las, permanecer no próprio e obscuro "eu" , preferindo rechaçar e agredir o outro, é atitude de quem não tem capacidade nem mesmo de se descobrir...
Dizem-nos seres racionais, mas, anterior à racionalidade, somos seres lingüísticos. É esse fato que, estruturalmente, nos difere dos demais seres vivos, entretanto, o que nos classifica como humanos é a capacidade de sentir e transmitir emoções. Pois o bom ou mau uso de nossa competência lingüística e da falta ou degeneração das emoções dependem, somente então, do uso da razão, o verdadeiro comandante das ações conscientes.
Não há porque deixar de ter e expressar sentimentos fortes, de transbordar emoções, mas há que se fazer uso do consciente, para controlar exageros. Toda exacerbação, para mais ou para menos, coloca o ser humano em xeque. Creio, mesmo, que é a falta de visão poética da vida que conduz à essa petrificação de sentimentos.
Se a poesia não fosse tão aviltada e se os ditos Poetas, usando adequadamente sua competência lingüística, a parissem, não para diminuírem as diferenças, mas para fazerem os homem pensar, aproximar-se, provocando neles belas emoções, estou certa de que haveria bem menos violência, neste nosso mundinho.

Hoje, eu bem poderia ter escrito um poema...

Sê feliz!

Lizete Abrahão