terça-feira, 24 de novembro de 2009

05- ESTA LIRA DE MIM!... * Pentacríptico


1.
No princípio, o verbo quis,
em conjugações obscuras,
ser grão e depois raiz
do chão projectando alturas…

Desnudo, no paraíso,
o par de divina essência
cantava, no tom preciso,
o elogio da indolência.


Do seu cume imperativo 
e projectando o perfil 
pelas lonjuras de anil, 
deus olhava o par cativo. 

E, certo da tentação, 
provocou a transgressão. 



2. 
Expulso do paraíso 
no primeiro alvorecer, 
era ainda um improviso 
a vida que houve de ser. 

Adão pesou, pensativo, 
o gesto da divindade 
e a condição de ex-cativo, 
encontrada a liberdade. 

E naquela antemanhã, 
que mal podemos supor, 
percebeu por que a maçã 
tinha um estranho sabor: 

o sabor da inteligência 
acordando a consciência. 


3. 
Pródiga era a natureza! 
Tudo dava, hospitaleira… 
Viver era uma beleza, 
sem transtorno nem canseira. 

Sentia às vezes saudade 
do paraíso perdido… 
Mas fora a sua vontade: 
assim tinha decidido. 

Lá, tinha que obedecer, 
ser aplicado no estudo 
e ouvir e não rebater… 

A liberdade era assim: 
não se podia ter tudo 
dentro ou fora do jardim… 


4. 
Sem armas e sem abrigos, 
um ninho nos ramos altos, 
prevenia os sobressaltos 
dos mais diversos perigos. 

Nessa arte da construção 
imitou os primos símios, 
que eram astutos e exímios, 
arquitectos de eleição. 

Gozando a paz absoluta, 
descobriu ser bom pensar: 
e concluiu que uma gruta 
era o lar a conquistar, 

por ser melhor tal intento 
do que viver ao relento. 


5. 
Um dia, o par decidi 
o que há de mais natural: 
Eva emprenhou e pariu 
o pecado original… 

E do seu cálido ninho, 
recendendo a puridade, 
foi descoberto o caminho 
terrestre da humanidade. 

E tudo assim sem alarde, 
nem hosanas nem prebendas… 
Não foi cedo nem foi tarde. 
Depois vieram as lendas, 

vestindo de cor e rito 
o simbolismo do mito.




José-Augusto de Carvalho

Viana * Évora * Portugal


Migrando para este novo espaço.

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