quinta-feira, 25 de março de 2010

05 - ESTA LIRA DE MIM!... * O caminheiro




De bordão e de sacola,
meti pernas ao caminho,
só querendo por esmola
o calor do teu carinho.

Meus anseios e desejos,
num ardor insatisfeito,
são a fome dos teus beijos,
no delírio do teu leito.

Sei que estás à minha espera,
não sei onde, mas confio...
Na verdade da quimera,
eu aceito o desafio.

Sem bússola nem cansaço,
sou caminho, passo a passo!



José-Augusto de Carvalho

11-12/5/2006.
Viana * Évora * Portugal

terça-feira, 23 de março de 2010

10.04 - OS MEUS AMIGOS * João de Sousa Teixeira

Como cão

Foto de meu cão Apolo, 2008

Como te invejo amigo cão,
o teu sol e mesmo o teu osso;
não a coleira do pescoço;
a condição.

Como te invejo o faro, irmão!
Cheirar até o bafo de deus,
seres tu por mim alguém e eu
o cão.

Como te invejo, meu ciúme é vasto:
o amor que fazes à minha frente,
uivar, ganir como um demente
e casto.

Como te invejo e te gabo,
como os que, não sendo cão,
pedem guloseimas e dão
ao rabo.

Como te invejo o dobrar do sono,
ladrar a quem me apetecer
e, se for preciso, morder
o dono.


João de Sousa Teixeira

sexta-feira, 19 de março de 2010

10.05 - OS MEUS AMIGOS * Silas Correia Leite


Casa da Mãe

Poema homenagem

Para Eugênia de Oliveira Correa Leite, In Memoriam

Ir para casa e não ver a Mãe
É não estar em casa.
Ir para Itararé e não estar com a Mãe
É não estar em mim.
Ir para a Mãe e a Mãe não estar lá
Já é quase morrer.

Porque a casa e a Mãe se completam
Uma está em outra para assim muito bem estarmos em nós
E não encontrando a Mãe em casa
Podemos também não nos encontrarmos nunca mais.

Porque a casa-mãe-Itararé
É tudo uma soma de estarmos em nós mesmos
E da Mãe estar na casa e a casa ser a Mãe
Onde quer que a Mãe esteja.

Talvez, também, por isso é
A Casa, a Mãe, tudo - Itararé
Parte de nós. Como lágrimas no céu; como uma Igreja.

-0-

Silas Correa Leite,

Poetinha da Estância Boêmia de Itararé-SP

domingo, 14 de março de 2010

14 - ESCAPARATE * Conceição Paulino * «O meu cancioneiro»

Viana do Alentejo, 19 de Setembro de 2009
Texto de apresentação de “O meu cancioneiro”, 
de José-Augusto de Carvalho

Ao lermos um livro, há sempre muito do autor – da pessoa que é – que para nós passa. Que captamos – assim o julgamos. Que me desculpe José-Augusto de Carvalho a ousadia, mas sobre ele quero dizer algumas palavras.
José-Augusto de Carvalho é, em minha opinião, um homem fora do tempo. De outra geração embora, como meu pai, é um homem de valores, convicções e…palavra. Daí o desfasamento com o tempo que vivemos encontrado na sua escrita porque por si vivenciado. A palavra dada vale tudo. O aperto de mão substitui notários. Os valores que o sustentam são tão válidos no tocante à sua pessoa e vida como à de qualquer outra pessoa. José-Augusto de Carvalho sabe, com um saber da alma, que somos o resultado de tudo e de todos que nos antecederam – daí a importância dada à nossa história e a estas antigas e belas expressões poéticas com que elaborou este Cancioneiro. Sabe, acima de tudo, o sentido e o valor da “alteridade”. Sabe que ele é o outro, da mesma forma que o outro é, ou pode ser, a qualquer momento, ele/cada um de nós. Por isso, os seus sonhos e projectos são-no no colectivo. Nunca por ambição pessoal. Para si não quer nada que não queira para todos nós.
Passemos ao Cancioneiro que hoje se apresenta:
Fernando Pessoa afirmou que a poesia é uma forma de prosa em que se cria um ritmo artificial, através de: 1) pausas especiais – diferentes das que a pontuação define - embora, por vezes, possam coincidir; 2) escrita do texto em linhas separadas, denominadas versos. Desta forma, o autor/poeta cria 2 tipos de sugestões características à escrita poética: Sugestão rítmica/métrica, de cada verso por si; Sugestão tónica incidindo na última – ou única palavra do verso (se for o caso).
Uma questão se levanta: porque sente o poeta a necessidade de criar um ritmo artificial? É bem simples a resposta – porque a emoção intensa não cabe numa simples palavra, daí a necessidade de criar uma musicalidade rítmica exterior à palavra – só por si – mas que desta forma é contida no verso, no poema, como se num cálice. Ou, dito de outra forma: a poesia é uma forma de música feita com ideias em vez de só com emoções. As emoções transmutam-se em ideias que se expressam – melodicamente/ritmicamente/musicalmente – através das palavras. Toda a ideia perfeitamente concebida é rítmica, por si e em si, e é isso que José-Augusto de Carvalho, mais uma vez, nos oferece com este Cancioneiro. O ritmo, a rima, a estrofe são instrumentos disciplinadores da emoção de forma a exprimi-la não na forma tumultuada que é própria das emoções, mas num grau superior de controlo imposto pela disciplina destes 3 elementos: ritmo, rima, estrofe! Em síntese, afirmo que um poema é a projecção de uma ideia por palavras, mediadas pela emoção.
Com este Cancioneiro, explorando a poesia trovadoresca nas suas 4 vertentes: Cantigas de amor, Cantigas de amigo, Cantigas de escárnio e mal dizer e rimances, o autor presta homenagem aos trovadores medievais e lembra-nos: a existência dos testemunhos poéticos por eles deixados, por aí abandonados e cobertos de pó por falta de leitura; a necessidade de a eles voltarmos; a necessidade de os ler e reler, para melhor nos compreendermos enquanto povo, enquanto nação com um quadro cultural e histórico próprio que aí encontra clara e ilustrativa síntese evolutiva.
[Deixem-me fazer um breve aparte a respeito do “cantar de amigo” que constitui uma variedade poética da produção lírica portuguesa originária da Idade Média.
Esta composição enquadra-se na original poesia trovadoresca Provençal, do sul de França, mas é uma construção poética peninsular que detém a particularidade de conferir o estatuto de enunciação à mulher, embora fossem sujeitos masculinos a compô-la. O cantar de amigo são cantigas de origem popular, com marcas evidentes da literatura oral utilizando recursos próprios dos textos para serem cantados - ainda hoje utilizados nas canções populares - e que propiciam facilidade na memorização.]
Neste Cancioneiro, José-Augusto de Carvalho pega, com mestria, nas quadras em redondilha, maior e menor, nas estrofes e nas sextilhas, usa sabiamente o ritmo e a métrica para, numa linguagem actual, entrosar passado, presente e futuro deste povo que somos. Os grandes momentos definidores da nossa identidade --- porque é disso que se trata nesta obra aqui ofertada a todos – de reconhecer, aceitar, acarinhar e manter a nossa identidade que de Castela nos separou --- são abordados: desde as batalhas, Álcacer-Quibir, Salado, Aljubarrota, às cruzadas – fora e dentro do espaço que hoje constitui o Portugal luso; “A dívida”, pg 38, em que enuncia as batalhas Aquém Tejo e Além do Tejo – dado que a Portugalidade se estende por muitos continentes aos nossos mitos e lendas; ao Bandarra e sua adivinhação; aos milagres estruturantes do simbólico na nossa cultura.
Dedica o poema “Quase uma oração", pg 40, a um tema tão português como “SAUDADE”. Desmonta o conceito em várias das suas vertentes, ou dimensões. “Saudade palavra linda…”, mas linda, porquê? Porque alimenta a esperança do retorno e do reencontro. Mas o mesmo sentimento, saudade, cria ansiedade, desesperança, angústia: “ …E a desventura detenha / p’ra que no peito eu mantenha / a bater, meu coração." (…)” Na última estrofe deste poema pede alento a Deus pois a dor é tão grande que se torna destruidora. O autor implora que este sentimento se transforme. Mostra-nos a saudade como algo potencialmente transformador: “ Ai, que esta dor que alimento / seja, na massa o fermento / do pão da vossa clemência.”
Nas Cantigas de Escárnio e Mal Dizer, em “Coisas do reino”, pg 45, se trocarmos: “…corredores do Paço” por corredores do poder, vemos e lemos um retrato actual do país. No seu olhar sobre o Natal (2 poemas nas pg 48 e 50), não deixa passar o modo tão português de dizer lamentando: “vamos indo, menos mal…”, nem deixa passar a hipocrisia que na época é recoberta pelo desejo /”momento anual/de nos sonharmos natal”. “É a visita anual/ a cumprir a tradição(…)/De Jesus nem um sinal(…)/o sonho, de rastros,/espezinhado mal brilha.”
E diz, pg 48, "que nos valha a gulodice(…) / Festejai, que é de bom tom! / Vinte e quatro horas de amor! / Abaixo o mau! Viva o bom!" Depois, novamente a dor, "A preto e branco e sem som”.
No poema À sombra do campanário, pg 51, o poeta faz a ronda pelas festas – Natal, Quaresma, Carnaval – mostrando-nos com o seu olhar acutilante e crítico como “…nesta monotonia, / à sombra do campanário, / se vive e pouco porfia, / ao sabor do calendário.” Como se as nossas vidas fossem um baile mandado à voz do mandador que estipula os nossos momentos e estados de espírito.
Em Engano Triste, pg 20, o poeta, do corpo faz o “convento” ou, figurativamente, o convento é o corpo; no poema “Enquanto a vida for vida!, pg 22, aborda um tema actual sobre o direito à vida, questionando-se, e a nós, sobre o que devemos ou não, considerar VIDA. A questão do direito a viver com dignidade, questão que tão escamoteada é na nossa sociedade.
Neste belo cancioneiro, do intimismo da alma, num registo mais pessoal, ressoa forte um grito humano e social a que não podemos ficar indiferentes se queremos que A VIDA SEJA VIDA e não seja um qualquer ZAGAL a comandar-nos.
Obrigada a todos por aqui estardes.
José-Augusto, obrigada por me convidares a falar sobre este belo e profundo Cancioneiro.


***
Conceição Paulino nasceu em Beja em 1945, na Freguesia de S. João Baptista. Reside em S. Mamede de Infesta há 36 anos.
Teve envolvimento político no distrito do Porto e no concelho de Matosinhos onde reside e deteve cargos autárquicos.
No plano cívico, fez parte dos corpos de algumas associações culturais e educativas.
Por ora atém-se ao envolvimento cívico. Licenciada. Exerceu durante os últimos sete (7) anos funções docentes no ensino superior.
NO PLANO LITERÁRIO:
Colaborou, durante 7 anos, com crónicas quinzenais no Jornal regional Matosinhos Hoje; fez recensão no extinto Jornal de Letras (Porto);
foi colaboradora ,com recensão e poesiam nas revistas Património XXI e Sol XXI e fez parte da direcção do núcleo do Porto da Associação Sol XXI.

sábado, 13 de março de 2010

10.05 - OS MEUS AMIGOS * Silas Correia Leite

Pequena Resenha Crítica:“Da Humana Condição”Novo Livro de Poemas de José-Augusto de Carvalho, de Portugal
“É na regularidade da paisagem, e, por extensão, da descrição poética dela, que nos deparamos com o inusitado que quebra a expectativa e faz peculiar a poética (...) –

Ademir Demarchi – Escritor e Editor da Revista Babel

Além da belíssima apresentação gráfico-estética da edição (Edium Editores, Portugal, Estúdios da Edium Editores, Março 2008), o livro de poesia “Da Humana Condição” de José-Augusto de Carvalho, de Portugal, é uma nova excelente coletânea de poemas novos, de sua mais recente safra como sempre fora de série. Janelas – tábuas de esmeraldas? – de águas e lodos, de apontamentos e desapontamentos, da própria humana condição revisitada com olhares poéticos lustrosos (para o bem e para o mal), registrando verbos, lavas, larvas, perdições, análises em rotas letrais próprias, sensíveis. Tristemente sensíveis. A esperança já não se renova a cada dia, ou a esperança é a inteligência da vida?. Ou um experiente olhar afinado, como o do autor poeta, depurando a realidade, é também olhador de tudo de ruim e pressente para onde caminha a humanidade, em sua condição de caos anunciado, caos urbano, arrebentações de toda ordem? Ler e refletir sobre.
Pinturas literais de seu tempo se afinando, na medida do possível com os olhares severos fazendo releituras, tocando destemperos, fermentações, tristezas, utopias. Xavier Zarco (Coimbra), muito bem o define: “Poemas no seu esplendor (...) Não podemos manter o olhar cerrado (...) A condição humana se desnuda perante o nosso olhar (...)” Panoramas, nostalgias, banzos literários dentro de óticas humanistas: “...O verbo unindo horizontes/Com as cinzas ergueu pontes/De constante renascença” (pg. 57). Soberano no estúdio de sua alma, amargo ou crítico, ou na inevitável sofrência própria dos seres extremamente lúcidos para esses tempos tenebrosos (a pós-globalizaçao do crime organizado do neoliberalismo como um câncer social em detrimento do chamado humanismo de resultados), segue José-Augusto determinado, consciente e sábio o amigo virtual (lincado nesse mundo pelas infovias da net/web); mas também raro e rico amigo livral (presencial pelas obras portentosas que generosamente nos envia), José-Augusto de Carvalho está cada dia mais profícuo; cada dia melhor nos acabamentos, no auge criacional de sua vida-livro, inclusive com os seus novíssmos e importantes poemas que o retratam altamente produtivo, já que regulamente nos envia por e-mail suas produções e derramas, como um achador residual de se colocar na vida como parte alegre-triste dela, lendo a vida contemporânea, a dolorosa tábua da vida, como um testemunho de sua própria afirmação como ser entre os que se parecem com alguma coisa próxima do Ser (inclusive e principalmente socialmente falando), dando registro sério de sua época, de sua existência como ser humano e como humanista, ainda delatando os contrastes de seu tempo com olhares que estão acima dos campos de lavanda dos sonhos. José-Augusto de Carvalho nasceu em 20/07/37, em Viana do Alentejo, Portugal, tem já outros importantes livros como: Arestas Vivas (1980), Sortilégio (1986), Tempos do Verbo (1990), Vivo e Desnudo (1996), Nós Poesia (2002, como Lizete Abrahão), A Instante Nudez (2005) que tive o prazer de resenhar (um dos melhores livros de poemas que li em minha vida), e agora este seu da “Humana Condição”. Espero (esperamos) que José-Augusto de Carvalho continue com seu tear, na lida, pois o enorme prazer da leitura que nos encanta com trabalhados versos de qualidade, além do acabamento gráfico-editorial o que nos apresenta o trabalho literário de cara e capa, na beleza da obra que se reafirma pelo conteúdo enquanto riqueza lítero-cultural de um poeta na mais bela condição humana de poetar com gabarito e quilate: “As vezes o silêncio esmaga/O tumulto das palavras (Verbo de Pedra, pg 51). O livro é um atual depoimento poético “de homens em tempos sombrios”, para lembrar Hannah Arendt, em Entre o Passado e o Futuro/A Condição Humana.
*
Silas Correa Leite,
Itararé, São Paulo, Brasil
22/5/2008

sexta-feira, 12 de março de 2010

10.03 - OS MEUS AMIGOS * Vanderley Caixe

Sabe!



As vezes me sinto idiota ou maluco. Paranóico ou psicopata.
Abro os jornais, vejo na televisão, vejo corpos estirados, bombardeios de urânio empobrecidos, vejo cinzas de outroras gentes,crianças rotas como roupas esgarçadas,vejo mulheres novas e velhas chorando sobre defuntos filhos, maridos ou pais.
Todos os dias vejo as teorias que tentam justificar mortes, assassinatos em massa, genocídios , destruição de raças.
Meus olhos covardes embotam o meu espírito em lágrimas. Me chamam de covarde.
Vejo o governo norte americano, me recordo da leitura do pretenso terceiro Reich.
Judeus nazistas ocupando espaços nas listas, genocídios de palestinos.
Sonho a iraquiana que está em seu país chupando a bomba invasora norte-americana, sobre os escombros putrefatos ao seu nariz.
Participo com o supremo gesto da vida sacrificada no terror. Um último instante da bomba explodir, um resto de desespero contra a industria de armas.
Meu corpo vira arma, a arma do pobre, a arma do invadido, a arma dos que tem seus filhos destroçados.
Somente tenho meu corpo e uma alma de luta contra o império que veio à minha terra matar, nossas riquezas sugar.
Perdoe-me Deus, perdoe-me Alá.
Sou gente, não sou covarde, não importa que a imprensa deles diga.
Minha luta estará lá.

Vanderley Caixe
28 de Agosto de 2004.
Ribeirão Preto*SP-Brasil

10.05 - OS MEUS AMIGOS * Silas Corrêa Leite


Itararé Que Eu Adoro Tanto - Uma História de Vida

  -Só Deus sabe o que um filho ausente de Itararé sofre – longe de casa, da rua e quintal de infância, dos pais, dos amigos, do toldo estrelado de Santa Itararé das Artes, Cidade-Poema, terra de ancestrais, berço esplêndido, aldeia-mãe... Só mesmo Deus sabe... Saí muito cedo de casa. Comecei a trabalhar muito cedo – engraxate, vendedor de dolé de groselha preta, bóia-fria – e com 14 se tanto fui trabalhar na Marcenaria Estrela do Jora Moveis que se mudaria par Ribeirão Vermelho do Sul, aquele tempo ainda não com o nome feio de Riversul... que depois da mudança do nome se tornou... Depois, voltando para Itararé, fui trabalhar no Bar do Calixtrato, de onde migrei para Sampa, 18 anos, 1970, quarta-série, e, na capital paulista em época de ditadura militar incompetente, corrupta, violenta e senil, fui finalmente aportar, sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes... exatamente como na balada do cantor Belchior... Longe de casa é um lugar que não há; não existimos, somos bichos estranhos no ninho da megalópolis, aliás, longe de Itararé somos um não-ser num não-lugar. Sem os bolinhos de chuva da mãe, sem a graciosidade das irmãs e irmãos, sem o acordeão vermelho do pai solando abismos de rosas, sem o chão, o luar, os bares e lares de uma Itararé que sempre amei tanto... O pai ligava chorando. Sabia que eu estava passando fome. Dizia que em casa eu teria meu cantinho, minha bóia (só Deus sabe o que um filho sente ausente de seu lar, de sua terra), mas eu, turrão, respondia: -Só volto formado ou morto. Mas era a angústia de ser um guri, bendito fruto, criado entre mulheres e longe de casa era estar literalmente no átomo sem cachorro... Um fanático por Itararé, lendo a Bíblia, lendo a história do pacifista indiano Mahatma Gandhi, alma rasgada, peito alquebrado, saudades de Itararé, da voz de clarineta da mãe, das ruas e quintais do guri ainda imberbe nos seus já sofridos 18 anos. Uma pensão na Rua Torres Tibagi, 55, Bom Retiro. A dona da pensão jogava fora as comidas de natal, as sobras das ceias, no lixo, achando que lá eu ia catar para não morrer de fome. Sempre fui de fibra, determinado, turrão; tinha vergonha na cara, não comi, três dias passando fome – e era Natal – mas eu esta lendo muito e ainda acreditava nos meus sonhos, ser um escritor, me formar, vencer na vida. Será o impossível? Só por Deus. Longe de Itararé somos andorinhas perdidas. Eu lia muito, escrevia muito. Fugia no letral. De afeto só as orações demoradas de minha mãe por mim, por meus sonhos, o guri espeloteado que estivera seis vezes para morrer, quando muito piá de tudo, e em Sampa era mais um na louca correria da lida. Até que arrumei um trampo. Encontrei-me com o Helio Porto e lá fui ser vendedor externo das lojas Ducal. O Helio me trazia, todo santo dia, uma marmita que a esposa dele me mandava. Jamais esquecerei esse dia. Jamais o esquecerei. Amigos para sempre. Depois da Ducal fui trabalhar na Drogasil, até que finalmente encontrei o Getulio Ferreira da Silva, que, no Rodoviário Itararé, do João Wiederin, Rua Rodolfo Miranda, Bom Retiro, foi um outro anjo que Deus colocou em minha vida. Voltei a estudar. Pensão da Dona Nena, Rua Prates. Sempre lendo e escrevendo muito. Liceu Coração de Jesus. A volta aos poucos pra casa, aos pedaços, começando uma trilha que iria longe. Eu estava no caminho certo. Ler uma fuga. Escrever uma alma respirando Itararé. Ninguém sabe o que passei. Um filho longe de Itararé é um ponto de interrogação na lágrima. Ah Itararé que eu adoro tanto. Depois fui trabalhar numa imobiliária, depois numa área contenciosa de uma empresa de cobranças, quando fui fazer direito e, malemal comecei, o pai faleceu, eu perdi o emprego por ter escrito artigo crítico num jornal universitário que atacava a ditadura mantida pela corrupção, depois perdi bolsa na faculdade. Tudo de novo. Tudo outra vez. E a mãe viúva para ajudar. Ninguém sabe o que é a dor de querer e não poder, mas tentar, manter as mãos limpas. Itararé é o mais perto do céu que eu posso chegar. A poesia é o mais perto do céu que eu posso chegar, Até que conheci a Musa-Vítima Rosangela que me deu uma familia musical. E Rosangela também é o mais perto do céu que eu posso chegar. Organizou minha rude vida, minha loucura, ajudou-me a participar de concursos, quando venci o primeiro, com um poema chamado Travessia de Elis (homenagem à Elis Regina.) Era um caminho, uma estrada. Eu falava de Itararé e ela ficava achando que talvez fosse só um sonho meu, uma espécie letral de Shangri-lá, Passárgada, Jerusalém. Falava do Mestre Jorge Chuéri, até que um dia ela veio conhecer Itararé e amou. “Em Itararé conheci o sentido exato do verbo existir, viver” disse a musa já cativada. Bebera a água da Barreira. Conheceu o Jorge Chuéri. Ficou fã como eu. Eu subi nos ombros de gigantes para enxergar melhores horizontes. Voltei aos poucos para a minha familia, para minha mãe, para Itararé. Minha vida teve rumo, um sentido. Mas nunca mais fui o mesmo. O guri de mim se perdeu. De lá para cá só vitórias. Há um Deus. Ah Itararé, ninguém sabe a dor que sente/Um filho ausente a chorar por ti... Cantei-te e canto em versos e prosas. Fiz o Hino ao Itarareense. Fui homenageado como um Leão do Centenário, nos cem anos de Itararé fiz minha exposição, o Palácio Vadico deu-me o título de Cidadão Itarareense, homenagearam meu pai Antenor Correa Leite com uma rua no Parque das Nações. Sou um vencedor. Ando pelas ruas de cacau quebrado de Itararé, de cabeça erguida. Comprei casa pra minha mãe em Itararé. Ganhei prêmios, fui entrevistado em jornais, rádios e canais de tevês, saí em jornais e outros veiculos de comunicação, estou em mais de 100 antologias, até no exterior, colaboro em quase 500 sites, sempre lendo, estudando, mas nunca rompi o cordão umbilical com Santa Itararé das Artes. Ah Itararé que eu adoro tanto. -Olhando para trás, sangue suor e lágrimas. Passei dos 50. O guri de 19 de agosto agora tem um cantinho pra chamar de seu. Quando eu era criança, pobre, comia terra. Pois trato bem Itararé, já que um dia, morrendo, certamente que serei sepultado no Cemitério Lágrimas do Céu de Itararé, então, naturalmente serei eu mesmo a própria Itararé, meu corpo será misturado com a terra-mãe. No futuro, no devir, quem sabe um dia, uma criança comendo terra comentará com a mãe que o torrão está com gosto de Poesia. Sou eu. Sou esse. Longe de Itararé fui bandeira de meu povo querido, embaixador, arauto, cantando minha aldeia-mãe, defendendo e promovendo a chamada Literatura Itarareense. Quando eu for saudade dirão: amou e cantou Itararé. Viveu para isso. Para isso serviu. E então lerão meu epitáfio: “Aqui Jazz Si...lás Três notas musicais exercitando o último solo. Amou, foi amado, fez todo mundo rir, tentou ser feliz. Nasceu analfabeto. Viveu estudando e escrevendo. Morreu aprendiz. The End -


Silas Corrêa Leite 
São Paulo * Brasil

05 - ESTA LIRA DE MIM!... * Ansiedade



Eu posso, até, acreditar na lenda,
sair da Vida e mergulhar no mito,
e ser, na lenda, a vida em que acredito:
a vida que na lenda se desvenda.

Eu posso, até, acreditar no grito
que, por milagre ou por feitiço, acenda
o fogo que morreu e rasgue a senda
de todos os caminhos do infinito.

Eu posso, até, acreditar em tudo
que possa, puro, germinar em mim
afagos delicados de veludo.

Eu posso, enfim, na sombra de Caim,
ser o remorso em sangue que desnudo
até saber quem sou e por que vim.


José-Augusto de Carvalho
Porto Alegre*Rio Grande do Sul*Brasil
13 de Dezembro de 2002.
Viana do Alentejo*Évora*Portugal
Revisto em 23 de Abril de 2009

quinta-feira, 11 de março de 2010

10.05 - OS MEUS AMIGOS * Silas Correia Leite

Todos os dias



Todos os dias
Eu olho para as minhas cicatrizes e penso
Sobrevivi
E fico feliz por estar aqui
Como poderia estar em qualquer lugar do mundo
E seria um vencedor

Molhei minhas estradas de lágrimas
O menino amadureceu a ferro e fogo
Mas eu olho as minhas cicatrizes como um mapa de vitórias
E agradeço a Deus por estar vivo
E porque Rosangela me ensinou a ser melhor quando testado
Pois a vida é um estoque de planos de resistências e nós permanecemos limpos
Na geografia da alma e da luz



Silas Correa Leite
Estado de São Paulo, Brasil