Alentejo em flor + Fonte: Internet
Os velhos cofiam as barbas nevadas pelos anos.
Da encosta do cerro, avista-se a limpa.
Os raros trigais ondulam ao sabor da brisa,
acenando o pão às bocas ansiosas
que esperam pelo milagre de Maio,
marcado no calendário dos homens
como a certeza duna promessa sempre cumprida.
Os velhos, com os olhos cansados
de olharem o passar gelado dos invernos,
fumam, em silêncio,
em cachimbos de cana,
um tabaco ruim e fedorento,
e cospem, para o chão poeirento,
grandes quantidades de saliva
impregnada de nicotina e de paciência.
Os velhos acariciam maquinalmente as crianças
que brincam no chão poeirento,
alheadas dos pensamentos que engelham
os rostos taciturnos e tisnados dos velhos.
A tarde está no fim.
O céu, incendiado, a poente, regista o adeus do sol.
A sombra, morna, abraça a limpa e o cerro.
Os velhos de barbas nevadas pelos anos
olham sempre em frente e em silêncio.
E a escuridão cai como uma cegueira irremediável.
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 5 de Maio de 1996.
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José-Augusto de Carvalho