quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

35 - CANTO REVELADO * Do desespero...

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Quando o desespero
jazia, resignado, nas masmorras,
incapaz de entrever as auroras boreais...
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...o poeta castrado chorava:
O meu cantar é tão doído, é um soluço
que embarga a minha voz!...
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...o aprendiz de sábio afirmava,
do cimo da sua ignorância laureada,
que sempre houve pobres e ricos...
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...os senhores do tempo e do espaço
(por detrás dos mastins,
que noite e dia vigiavam, implacáveis)
embruteciam-se em báquicas orgias...
desafiavam fantasias pantagruélicas...
insultavam a decência e a inteligência
em obscenas irracionalidades...
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...o verbo do feitiço
imolava as presas em aras de sangue,
purificando o rebanho em piras incendiadas...
proclamava a diferença incensada
do poder e da servidão...
garantia a chave miraculosa que haveria
de abrir os portões dum mundo onírico
aos humilhados e ofendidos
mas só após a morte...
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...os predadores e as presas,
sem poetas castrados,
sem sábios aprendizes,
sem senhores nem mastins,
sem feitiço nem feiticeiros,
conjugavam o verbo existir na harmonia
natural e bastante da transitoriedade
do insondável mistério do ser e do não-ser...
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José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 18 de Maio de 1997.

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