sexta-feira, 17 de junho de 2011

05 - ESTA LIRA DE MIM!... * Feitiço



A paz pedi, trouxeram-me o confito.

No meu jardim, secaram já os cravos.

Restaram-me, na vida, os desagravos

que irrompem do feitiço em que acredito.



Feitiço dos Jardins da Babilónia,

suspensos do esplendor que determina

que eu seja, para além, da minha insónia,

o grito que se encontra em cada rima.



E quando, à luz serena do luar,

a noite se derriça, enamorada,

eu sinto, em meu sonhar, um madrigal...



E os versos com que teço o meu cantar

são fios de brancura imaculada

de um lustre enluarado de cristal.



José-Augusto de Carvalho
7 de Junho de 2011.
Viana*Évora*Portugal

29 -CRÓNICAS * O Largo


Crónica de um dia sem história

O Largo
 

Hoje, desci ao Largo. Sim, também eu tenho um Largo. Não é, seguramente, o Largo de que o Manuel (da Fonseca) nos fala e que era o centro do mundo. Este meu, mais modesto, é, apenas, o centro do meu povoado.

Neste meu Largo, está sempre um homem olhando em frente. Alheado das árvores que o circundam, olha em frente. Fixamente. Tentará, porventura, desvendar as novas e os mandados que virão.

Fica indiferente às conversas que escuta, tal como à chuva que o molha, ao frio e ao calor que já não poderão incomodá-lo.

Um ou outro, mais velho, fala dele como de um passado morto. Interiormente, sorri. O passado não morreu. O passado é a raiz, as fases diversas sobre que assenta o presente. O presente à espera do futuro. O passado é ontem; o presente é hoje; o futuro é amanhã.

Do passado nos chega a sentença: quem boa cama fizer, nela se há-de deitar.

Como dizia, desci ao Largo. Hoje. Hoje deveria ser um dia especial, deveria ser mas não é. Mais exactamente, não vi que fosse.
 
Em derredor do homem sempre presente, havia diversas pessoas, cavaqueando. Também um carro de som, tentando animar o ambiente com banalidades adventiciamente desportivas.

Senti-me defraudado. De dia especial, nada vi. Regressei a casa. Olhei a estante onde arrumo alguns livros. Lá estavam Os Lusíadas. Melancolicamente, recordei: Esta é a ditosa pátria, minha amada!
 
Pois...

Até sempre!

 Gabriel de Fochem

Alentejo, 10 de Junho de 2011.


05 - ESTA LIRA DE MIM!... * Para além do Tempo!


No princípio era o verbo... e Deus estava só!

Na graça da nudez, a terra seca, em pó...



Da fonte que mitiga a sede do infinito,

tirou um pouco de água e o pó dessedentou...

Da lama resultou o barro... e levedou!

Depois, foi só criar. Assim nasceu o mito.



Deste mistério santo, a carne é Deus e barro!

E o barro, que é de Deus, recusa os adjectivos.

É barro e nada mais. A graça que há num jarro

também lhe vem de Deus. Sem outros aditivos.



A débil mente humana é que perversa impõe

insólitas noções e o santo barro inquina...

Mas, ai, se a gente (im)põe, só Deus é que dispõe...

e uma graça de Deus só pode ser divina!



José-Augusto de Carvalho
16 de Março de 2002
Viana * Évora * Portugal

12 - GABRIEL VIVE! * O pão da verdade



Não me peçam nem prece nem círio,



evocando o doer do martírio!





Eu apenas levanto um padrão


nesse tempo cumprido e prossigo.


Levo o pão repartido comigo


e a Verdade é a minha oração.






A verdade fraterna e concreta,


que balsâmica olora e floresce


quanto mais sobre o pântano desce


o livor que angustia e inquieta.





Neste parto de dor e porfia,


o milagre levanto do chão.


O milagre fraterno do pão,


do pão nosso de todos os dias...






José-Augusto de Carvalho

13 de Junho de 2011.

Viana * Évora * Portugal

sexta-feira, 10 de junho de 2011

10.05 - OS MEUS AMIGOS * Silas Corrêa Leite

Árvores de Vidas


Eu aprontava muito quando guri, e o pai
Vendo que só vara de marmelo não resolvia
Dava-me pitos cascudos e punha-me a plantar em casa
No quintal frondoso a lavoura de alfaces e milharais
Entre o castigo de ler dicionários, jornais e a Bíblia

Como eu gostava muito de macarrão, um dia
Plantei vários talos de macarrão espaguete
Que ficou verde; fui que fui contar pimposo pra mãe
Que o macarrão tinha pegado; tava brotando
Feito legume em terra chã - com estrume e regador

Todo mundo cerriu muito lá em casa esse dia
-Tá encardido, disse a minha irmã Sueli de tromba
Erzita outra irmã explicou que estava era apodrecendo
Porque macarrão não cresce em árvores como pitanga
Ou como gabirova, jabuticaba branca ou ariticum

E eu que já tinha sondado outros plantios e regas
Numa lavoura até de macarrão-gravatinha, ou, ainda
Pés de salsichas em lata, pés de Crush, tudo para mim
Que pensava dar em árvores – até arvore de passarinhos
Como galho de pencas de pardais no meu encantário...

Pelo jeito eu ainda criança já era poeta – e não sabia
A árvore da vida dá sofrências e alegranças também
Contei pro filho Thiago o pé de macarrão que um dia plantei
E ele todo ridente soube que seu pai um dia também foi criança
E errou, pintou e bordou. Mas também sonhou e venceu

Hoje meu filho Thiago Frederico é a minha árvore
Que já teve lágrimas mas florirá muitas esperanças na vida
E nos canteiros da terra semearemos além do nosso reencontro
Árvores de abraços, afetos, conquistas, pertencimentos
Porque, afinal, todos somos flores e frutos dessa vida


Silas Correa Leite


quarta-feira, 1 de junho de 2011

12 - GABRIEL VIVE! * As encruzilhadas



De palavras não careço
nem há palavras precisas;
apenas o teu olhar
sempre me ilumina e guia.

 
Afronto as encruzilhadas
indefinindo os caminhos.
Despetalo rosas rubras
e o caminho cheira a sangue.

 
Em cada nuvem cinzenta
que presagia procela,
adivinho as tuas lágrimas
derramando-se na espera.

 
Com o meu bordão, amparo
o trôpego caminhar
dos meus passos que recusam
descansar ou desistir.



José-Augusto de Carvalho
1 de Junho de 2011.
Viana de Fochem