Itararé Que Eu Adoro Tanto - Uma História de Vida
-Só Deus sabe o que um filho ausente de Itararé sofre – longe de casa, da rua e quintal de infância, dos pais, dos amigos, do toldo estrelado de Santa Itararé das Artes, Cidade-Poema, terra de ancestrais, berço esplêndido, aldeia-mãe... Só mesmo Deus sabe... Saí muito cedo de casa. Comecei a trabalhar muito cedo – engraxate, vendedor de dolé de groselha preta, bóia-fria – e com 14 se tanto fui trabalhar na Marcenaria Estrela do Jora Moveis que se mudaria par Ribeirão Vermelho do Sul, aquele tempo ainda não com o nome feio de Riversul... que depois da mudança do nome se tornou... Depois, voltando para Itararé, fui trabalhar no Bar do Calixtrato, de onde migrei para Sampa, 18 anos, 1970, quarta-série, e, na capital paulista em época de ditadura militar incompetente, corrupta, violenta e senil, fui finalmente aportar, sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes... exatamente como na balada do cantor Belchior... Longe de casa é um lugar que não há; não existimos, somos bichos estranhos no ninho da megalópolis, aliás, longe de Itararé somos um não-ser num não-lugar. Sem os bolinhos de chuva da mãe, sem a graciosidade das irmãs e irmãos, sem o acordeão vermelho do pai solando abismos de rosas, sem o chão, o luar, os bares e lares de uma Itararé que sempre amei tanto... O pai ligava chorando. Sabia que eu estava passando fome. Dizia que em casa eu teria meu cantinho, minha bóia (só Deus sabe o que um filho sente ausente de seu lar, de sua terra), mas eu, turrão, respondia: -Só volto formado ou morto. Mas era a angústia de ser um guri, bendito fruto, criado entre mulheres e longe de casa era estar literalmente no átomo sem cachorro... Um fanático por Itararé, lendo a Bíblia, lendo a história do pacifista indiano Mahatma Gandhi, alma rasgada, peito alquebrado, saudades de Itararé, da voz de clarineta da mãe, das ruas e quintais do guri ainda imberbe nos seus já sofridos 18 anos. Uma pensão na Rua Torres Tibagi, 55, Bom Retiro. A dona da pensão jogava fora as comidas de natal, as sobras das ceias, no lixo, achando que lá eu ia catar para não morrer de fome. Sempre fui de fibra, determinado, turrão; tinha vergonha na cara, não comi, três dias passando fome – e era Natal – mas eu esta lendo muito e ainda acreditava nos meus sonhos, ser um escritor, me formar, vencer na vida. Será o impossível? Só por Deus. Longe de Itararé somos andorinhas perdidas. Eu lia muito, escrevia muito. Fugia no letral. De afeto só as orações demoradas de minha mãe por mim, por meus sonhos, o guri espeloteado que estivera seis vezes para morrer, quando muito piá de tudo, e em Sampa era mais um na louca correria da lida. Até que arrumei um trampo. Encontrei-me com o Helio Porto e lá fui ser vendedor externo das lojas Ducal. O Helio me trazia, todo santo dia, uma marmita que a esposa dele me mandava. Jamais esquecerei esse dia. Jamais o esquecerei. Amigos para sempre. Depois da Ducal fui trabalhar na Drogasil, até que finalmente encontrei o Getulio Ferreira da Silva, que, no Rodoviário Itararé, do João Wiederin, Rua Rodolfo Miranda, Bom Retiro, foi um outro anjo que Deus colocou em minha vida. Voltei a estudar. Pensão da Dona Nena, Rua Prates. Sempre lendo e escrevendo muito. Liceu Coração de Jesus. A volta aos poucos pra casa, aos pedaços, começando uma trilha que iria longe. Eu estava no caminho certo. Ler uma fuga. Escrever uma alma respirando Itararé. Ninguém sabe o que passei. Um filho longe de Itararé é um ponto de interrogação na lágrima. Ah Itararé que eu adoro tanto. Depois fui trabalhar numa imobiliária, depois numa área contenciosa de uma empresa de cobranças, quando fui fazer direito e, malemal comecei, o pai faleceu, eu perdi o emprego por ter escrito artigo crítico num jornal universitário que atacava a ditadura mantida pela corrupção, depois perdi bolsa na faculdade. Tudo de novo. Tudo outra vez. E a mãe viúva para ajudar. Ninguém sabe o que é a dor de querer e não poder, mas tentar, manter as mãos limpas. Itararé é o mais perto do céu que eu posso chegar. A poesia é o mais perto do céu que eu posso chegar, Até que conheci a Musa-Vítima Rosangela que me deu uma familia musical. E Rosangela também é o mais perto do céu que eu posso chegar. Organizou minha rude vida, minha loucura, ajudou-me a participar de concursos, quando venci o primeiro, com um poema chamado Travessia de Elis (homenagem à Elis Regina.) Era um caminho, uma estrada. Eu falava de Itararé e ela ficava achando que talvez fosse só um sonho meu, uma espécie letral de Shangri-lá, Passárgada, Jerusalém. Falava do Mestre Jorge Chuéri, até que um dia ela veio conhecer Itararé e amou. “Em Itararé conheci o sentido exato do verbo existir, viver” disse a musa já cativada. Bebera a água da Barreira. Conheceu o Jorge Chuéri. Ficou fã como eu. Eu subi nos ombros de gigantes para enxergar melhores horizontes. Voltei aos poucos para a minha familia, para minha mãe, para Itararé. Minha vida teve rumo, um sentido. Mas nunca mais fui o mesmo. O guri de mim se perdeu. De lá para cá só vitórias. Há um Deus. Ah Itararé, ninguém sabe a dor que sente/Um filho ausente a chorar por ti... Cantei-te e canto em versos e prosas. Fiz o Hino ao Itarareense. Fui homenageado como um Leão do Centenário, nos cem anos de Itararé fiz minha exposição, o Palácio Vadico deu-me o título de Cidadão Itarareense, homenagearam meu pai Antenor Correa Leite com uma rua no Parque das Nações. Sou um vencedor. Ando pelas ruas de cacau quebrado de Itararé, de cabeça erguida. Comprei casa pra minha mãe em Itararé. Ganhei prêmios, fui entrevistado em jornais, rádios e canais de tevês, saí em jornais e outros veiculos de comunicação, estou em mais de 100 antologias, até no exterior, colaboro em quase 500 sites, sempre lendo, estudando, mas nunca rompi o cordão umbilical com Santa Itararé das Artes. Ah Itararé que eu adoro tanto. -Olhando para trás, sangue suor e lágrimas. Passei dos 50. O guri de 19 de agosto agora tem um cantinho pra chamar de seu. Quando eu era criança, pobre, comia terra. Pois trato bem Itararé, já que um dia, morrendo, certamente que serei sepultado no Cemitério Lágrimas do Céu de Itararé, então, naturalmente serei eu mesmo a própria Itararé, meu corpo será misturado com a terra-mãe. No futuro, no devir, quem sabe um dia, uma criança comendo terra comentará com a mãe que o torrão está com gosto de Poesia. Sou eu. Sou esse. Longe de Itararé fui bandeira de meu povo querido, embaixador, arauto, cantando minha aldeia-mãe, defendendo e promovendo a chamada Literatura Itarareense. Quando eu for saudade dirão: amou e cantou Itararé. Viveu para isso. Para isso serviu. E então lerão meu epitáfio: “Aqui Jazz Si...lás Três notas musicais exercitando o último solo. Amou, foi amado, fez todo mundo rir, tentou ser feliz. Nasceu analfabeto. Viveu estudando e escrevendo. Morreu aprendiz. The End -Silas Corrêa Leite
São Paulo * Brasil
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