Biblioteca Escolar Almeida Garrett, 11/12/2014
Da nossa esquerda para a direita.
Coronel João Andrade da Silva, José-augusto de Carvalho,
Professora Rosa Barros e Professora Doutora Maria do Céu Pires
*
Aqui deixo aos prezados leitores deste espaço o texto da minha intervenção:
11 de Dezembro de 2014, em Estremoz!
Entendeu a vontade dos homens que eu buscasse longe o que
o nosso pátrio Alentejo me devia.
A vontade dos homens que tinham poder para impor a sua
vontade aos outros.
A vontade dos homens que determinavam que a nossa amada
Pátria Transtagana recusasse a muitos dos seus filhos o direito natural de
viver na sua terra.
Lá fui! Segui de comboio até ao Barreiro; cruzei o rio
Tejo; chegava a Lisboa. Deixava para trás o meu mundo e a minha gente.
Difícil é viver em terra estranha!
Lisboa acolheu-me, indiferente. Mais um, menos um, na
migração, não aquentava nem arrefentava, no dizer de Mestre Aquilino, ainda que
noutro contexto.
Por lá vivi quarenta e dois anos, sempre sonhando
regressar. E o sonho ganhou forma e realidade em Junho de 1996.
Ganhei a vida, estudei por conta própria o que mais me
interessava, aprendi o pouco que sei. E escrevi versos e mais versos; e
publiquei três livros: arestas vivas, 1980; sortilégio, 1986; tempos do verbo,
1990.
De 1961 a 1973, trabalhei graciosamente no jornal
República, mais exactamente no Suplemento República das Letras e das Artes, sob
a responsabilidade do poeta Alfredo Guisado, amigo de Fernando Pessoa e seu
companheiro na aventura do Orfeu, em 1915.
Neste suplemento publiquei, em Outubro de 1969, apanhando
a Censura distraída, o meu poema «O maltês». Vivia-se, então, em período de
campanha eleitoral. Foi quando votei pela primeira vez. Teria de esperar por
Abril de 1975 para votar de novo.
Foi com «O maltês» que terei conquistado alguns
benevolentes leitores.
Aqui fica o poema:
Já fui maltês e ladrão
de quanto me foi roubado.
Meu covil foi o montado;
meu camarada, o suão.
Fui livre à minha maneira,
como um homem deve ser;
a lei dei a conhecer
da mira da caçadeira.
Por roubar o que era meu,
nas malhas bem apertadas
das baionetas caladas
caí num dia danado,
mas contas ninguém me deu
de quanto me foi roubado.
Em 25 de Abril de
1974, acreditei na Primavera!
E acreditei nos homens que traziam a esperança!
Ah, mas Abril, logo no seu primeiro dia de Primavera,
sangrou às mãos dos esbirros da negação!
Aquele dia inesquecível chorou a morte matada de alguns
que tão pouco viveram para glorificar a aurora!
Em Lisboa, vivi a alegria de ver gente da nossa gente
transtagana na luta honrada e nobilíssima de despertar um povo da longa noite
da negação da Vida.
Meus amigos, gente da nossa gente, a mesma que tombou em
Atoleiros, que tombou em Aljubarrota.
Gente da nossa gente, a mesma que tombou em Évora, em
1638, anunciando a futura Restauração, em 1640!
Gente da nossa gente que tanto contribuiu para que o
despotismo ajoelhasse sem condições na nossa Evoramonte, em 1834!
Desta nossa gente me reclamo!
Esta gente que é nossa e que glorifico por ter sempre
cumprido o seu dever nos campos, nas minas, nos mares, nas demais actividades
que a divisão social do trabalho exige, na luta armada, na dádiva suprema do
sangue derramado por si e pelos outros.
Por tudo isto, o meu dever de amar e de cantar, como
posso e sei, a Pátria Transtagana.
E neste meu amar e neste meu cantar glorifico igualmente
todos os compatriotas da Pátria Portuguesa que tudo deram de si para que todas
as regiões, que não apenas a transtagana, sejam parte da Humanidade em
movimento rumo à dignificação humana.
É nas horas difíceis que o Homem se transcende. Assim foi
no passado que recordamos com emoção; assim será neste presente que vivemos.
Vivi o último momento de emoção até às lágrimas em 1974,
quando a Revolução dos Cravos devolveu a todos nós uma Pátria Livre. Como escrevi recentemente…
Nostalgia
Mais um Inverno frio nos deixava…
Mais uma Primavera prometia…
E sempre uma esperança pontilhava
de estrelas este céu que se fechava
ao rútilo esplendor dum claro dia!
E sempre esta esperança que morria
em cada frustração que nos matava!
E sempre o desespero arremetia
na força renovada que nos dava
a Fénix que das cinzas renascia!
Ai, tanto se morria e renascia!
E sempre esta esperança acalentava.
Que fértil terra de húmus e porfia
a força dava à força que faltava
nas horas em que a vida mais doía?
De sangue e desespero se amassava
o pão que noite adentro se comia!
De sol a sol, o corpo tudo dava
a troco duma jorna que minguava
enquanto o desespero mais crescia.
Ah, mas, na sombra, a noite murmurava
enleios, numa terna melodia!
E antes de adormecer, já madrugava
nos versos da canção que prometia
livre e fraterna a terra que chegava!
Chegava a Liberdade que cantava
lusíada, em feliz polifonia,
o fim do pesadelo que matava
no dia todo em luz que despertava
a vida que chorava de alegria!
O pátrio povo em armas devolvia
o berço que das trevas libertava
ao povo que sem armas acudia.
E um povo todo irmão se estremecia
no imenso e terno abraço que se dava.
Navegar é preciso, prometia,
agora que o viver se precisava!
Nos braços embalada, a pátria ouvia!
E quanto mais ouvia mais se dava
ao sonho que se ousava e florescia.
José-Augusto de Carvalho